LENTO, MA NON TROPPO
ele tocava piano usando fraque, porque aquilo era Beethoven.
ele dançava com as mãos, músicas que só ele ouvia.
ele gostava de Fred Astaire.
ele fazia lindos arranjos de flores que só não eram perfeitos porque não cantavam. "cantem para mim !" - eu lhes dizia.
ele citava Bergman e Bach. e adorava castanholas.
ele serviu uma família em buenos aires onde a dona da casa pedia ao empregado para "conter a respiração na hora de lhe servir o peru". e continuava : "eran distinguidos, mas agora todos estan muertos : o cozinheiro, la dona, o peru".
ele quis recitar um soneto, mas o diretor o reprimiu.
o diretor era também a criança que ele viu crescer por 20 anos.
ele foi o mordomo da família dessa criança.
na casa da Gávea, que ele chamava de Palácio Pitti.
ele acabou a vida longe do Palácio Pitti, em uma quitinete de paredes descascadas.
e lá ele tinha uma máquina de escrever na cozinha.
dela saíam seus "abortos mentais", que ele foi juntando ao longo dos anos.
então ele conversava com os personagens de suas anotações "sobretudo aos fins de semana.""também os levo ao banho de sol, para ficarem frescos. por isso o mundo pode cair ali, que não estou sozinho".
ele rezava em latim.
ele dizia que o tempo vinha lento, ma non troppo.
ele era Santiago, o homem que serviu a família de João Moreira Salles.
ele era Santiago, o empregado que virou personagem do filme do filho do patrão.
ele era Santiago, um homem que eu gostaria muito de ter conhecido.
no Palácio Pitti ou na quitinete.
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