: Diz-se de criança irrequieta e traquina, que não está quieta um só momento.

Sunday, July 17, 2011

tristes objetos


Motor potente, lataria tinindo, estofamento macio, de 0 a 100 num piscar de olhos, acessórios originais. E tá ali, juntando pó na garagem.
Como um vinho antigo que tranca na garrafa aromas e sensações especiais, de tantos anos. Mas fica lá, enfeitando a adega, sem nunca ser provado.
Ou um livro raro, que esconde em suas páginas palavras transformadoras e pouco é aberto; o medo é que as folhas se soltem. Lá segue ele, herói sem uso na prateleira.
Como o vestido mais lindo pra ser usado na festa mais linda, que dorme triste esperando no armário. Talvez a festa não chegue nunca.
Ou algumas coleções: charutos, relógios, jóias. Prazeres encaixotados, filas de sentimentos apagados, alegrias adiadas. Objetos sem uso.
E então não seria preferível ser um Fusca, dirigido com gosto, pra ouvir o motor débil, barulhento?
Ou ser tomada num trago só; bebida forte, que anima.
Ser um livro de banca de jornais, ensinamentos sem regra de uso. E num vestido de chita, rodar bonito, numa noite qualquer, destravando a agonia grudada no peito.
Ser qualquer coisa. A bola colorida que quebra o azul do domingo, a taça dupla de sorvete, a cachaça barata. Ser tudo que seja usado com prazer, que seja sempre requisitado. A bota velha, o pirex marrom, o relógio puído.
Tudo, menos a peça rara de cristal que há anos não faz outra coisa senão enfeitar a sala triste com seu brilho cansado e passivo. Assistindo a toda tragédia de camarote.

*ilustra por André Catoto

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