a peleja entre Mulher Maravilha e Bukowski
Contas pagas pontualmente, mercado sempre feito, Pilates duas vezes por semana; análise, uma. Diarista a cada quinzena. Depilação e unhas em dia. Dermatologista bem de manhã. Tubos resolvidos no trabalho. Cacos familiares. E segue o checklist. Tudo isso como quem diz bom dia, tudo isso como se eu estivesse num comercial do Molico. Mulher Maravilha.
Ler por horas a fio, não ter o silêncio interpretado como problema, não beber 4 litros de água por dia, deixar a conta correr livre, trabalhar menos (e não me sentir culpada por isso), ter meu namorado do lado para fazer o mercado (e carregar as sacolas depois), descobrir músicas velhas, morar numa casa com quintal, gastar horas preparando um jantar num dia qualquer. Tudo isso como quem diz bom dia, tudo isso como se eu estivesse no filme Julie & Julia. Bukowski.
Vidas diferentes, mesma pessoa.
Anteontem, voltando de Lisboa, chorei com força, insistentemente, como o filho que se joga entre os pais, pra afirmar algo. Sem saber porquê, tinha chorado três vezes nesse que era meu último dia em Portugal. Desde então, venho tentando decifrar esse vômito emocional, esse sinal interno.
Hoje, no carro, duas palavras se cruzaram, do nada, na minha cabecinha que produz um bocado: Mulher Maravilha e Bukowski.
Com a ajuda de meu amigo Freud, percebi que o quê está em jogo é abrir mão: seja da mulher prática e bem resolvida (termo que detesto, mas que ajuda a explicar), seja da avoada e hedonista.
Por que quando a Mulher Maravilha, exausta, tem uma semana de ócio, bons vinhos, namorado a mão, ruelas desconhecidas, cabeça vazia, ela se derrete. Invade, então, a porção Bukowski.
Quando o lado Bukowski vê que a vida vai voltar com toda sua dureza, burocracia, vê que a fatura do cartão vence logo mais e que o vinho não será nem barato, nem tão bom, ele bate o pé, esperneia.
No meio dessa peleja toda ainda tem espaço pra muitas outras Fabianinhas (como diz Pedro Juan Gutiérrez), tão difíceis de domar quanto a Mulher Maravilha e Bukowski.
Mas somente essa percepção_não de qual personalidade é melhor, mas sim de que preciso conviver em harmonia com as duas_, já me deu um baita alívio.
Somos muitos, somos vários. E isso não é bom nem ruim. Isso é a vida que, assim como num filme do Woody Allen, é boa, engraçada, dura e cruel ao mesmo tempo. É a velha história do "tudo não terás". Infelizmente.