à vista ou a prazo ?
Tenho 30 anos e quase nenhum bem. Material. Quase.
Tenho um carro 2001, que pra mim é mais que suficiente, visto que ele me leva, sem problemas, pra onde eu escolho ir.
Tenho 30 anos e já vivi um bocado. Me amparo nisso muitas vezes. Na minha história, nas minhas opções, nas decisões que tomei até aqui.
Vejo amigos comprando imóveis, se apertando pra trocar de carro, falando sensatamente sobre o futuro. E me sinto uma alienígena.
Pago meu aluguel, compro meu vinho e meus queijos, janto fora quando a necessidade de comer bem grita dentro de mim, vez ou outra enlouqueço e compro discos e livros não exatamente em promoção, peço uma segunda dose de Jack Daniels quando a situação parece não muita boa pro meu lado, arremato lenços antigos na feirinha do Bixiga de tempos em tempos, páro no posto quando o ponteiro da gasolina apita e é isso. Foi-se meu dinheiro. Invariavelmente estou negativa no banco. Bem negativa, se é que me entendem.
E então fico me questionando se sou inconsequente, se deveria, assim como alguns amigos, pensar em previdência privada, me meter numa dívida mega pra comprar um apartamento, cotar um carro mais novo, fazer enxoval do bebê que deve vir em 2059.
Acho que não.
São essas coisinhas deliciosas que me fazem trabalhar duro todos os dias.
Ter bons ingredientes em casa pra cozinhar, ouvir o barulho da rolha saindo da garrafa de vinho, usar um lenço de 1959, morar num lugar agradável, não ter onde guardar mais livros...é isso que vale pra mim.
Não digo que seja correto (meus pais, com certeza, não acham) esse meu modo de vida, mas não conseguiria pagar um carnê e não poder tomar um Jack num dia difícil. Acho que não faz sentido desse modo.
Trabalhar como uma condenada pensando em algo que virá ? E o hoje ? Como adiar sentimentos ? É possível pedir pra angústia passar amanhã, porque hoje não tenho dinheiro pro vinho ?
Tenho medo muitas vezes, das consequências desse meu jeito de levar a coisa.
Mas, infelizmente, não posso guardar debaixo do colchão a vida que me brota hoje.