: Diz-se de criança irrequieta e traquina, que não está quieta um só momento.

Monday, November 02, 2009

sobre como cair nas próprias arapucas ou limpe a gaiola


Um ano na casa nova comemorado ontem, primeiro dia de novembro.
E aí foi um domingo estranho. Sim, feliz pela data, pelo meu canto, mas um domingo de muito choro, de um bocado de coisa que_eu achava_, estava enterrada e que veio à tona. Purgante, como diz Gui Bracco.
Em Leite Derramado, Chico escreve que tá tudo ali, na memória. Como um escritório bagunçado que o dono, depois de fuçar um pouco, acaba encontrando o que procura. O que não pode, ele continua, é alguém de fora se meter, como uma empregada que tira o pó do escritório. Ontem acho que tirei o restinho de pó.
Um ano.
A gente vai pintando em cima da tinta descascada, disfarça bem, mas quando chove a camada de baixo aparece. Então não adianta camuflar. O ideal é tirar toda a tinta velha, remover, limpar e passar uma nova, fresca, para que não existam tantas marcas. Porque um dia desbota e aí você tá ferrado.
Dá trabalho na hora, mas depois você fica tranquilo por um bom tempo. Caso contrário, você economiza no momento, mas depois os restos vêm te cobrar. Eles sempre vêm.
Acho que foi mais ou menos isso o fim de domingo.
Tá tudo certo, eu tô feliz (e, de fato, estou), mas alguma coisa que eu tinha colocado no quartinho dos fundos da minha memória decidiu ir pra sala e infernizar a anfitriã.
Conseguiu.
Uma certa angústia travada no peito sem saber muito bem o motivo, uma vontade de me desculpar por algumas coisas, de dizer palavras que não disse na hora. E tasca mais uma mãozinha de tinta.
Acordei hoje aliviada, tenho do meu lado uma pessoa incrível, isso traz um certo conforto.
Mas vim trabalhar repensando como e onde armazeno minhas lembranças, minhas dores, meus calos, minhas histórias.
Eu preciso ter mais cuidado na hora de guardar tudo isso. Não posso ir entulhando na despensa, porque um dia, como ontem, a sujeira transborda.
É adequado fazer uma bela triagem na cabecinha, tirar a tinta velha pra não se desgastar mais depois, tentando reformar.
Porque, novamente como escreve Chico, a memória é uma vasta ferida.
Tenhamos, então, respeito por ela.

*ilustra por Pedro Lucena